terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O GUARDADOR DA FONTE



Conta uma lenda austríaca que em determinada povoação, havia um pacato habitante que foi contratado pelo Conselho Municipal para cuidar das piscinas que embelezavam a fonte de água da comunidade. 
O cavalheiro com silenciosa regularidade, inspecionava as colinas, retirava folhas e galhos secos, limpava o que poderia contaminar o fluxo da corrente de água fresca. 
Ninguém observava as suas longas horas de caminhada ao redor das colinas, nem o esforço para retirar os entulhos. 
Aos poucos, o povoado começou a atrair turistas. Cisnes graciosos passaram a nadar pela água cristalina. 
Rodas d´água de várias empresas da região começaram a girar dia e noite. 
As plantações eram naturalmente irrigadas, a paisagem vista dos restaurantes era de uma beleza extraordinária. 
Os anos foram passando. Certo dia, o Conselho da cidade se reuniu, como fazia semestralmente. 
Um dos membros do Conselho resolveu inspecionar o orçamento e colocou os olhos no salário pago ao zelador da fonte. 
De imediato, alertou os demais conselheiros e fez um longo discurso a respeito de como aquele velho estava sendo pago há anos, pela cidade. 
E para quê? O que é que ele fazia, afinal? Era um estranho guarda da reserva florestal, sem nenhuma utilidade. 
O seu discurso convenceu a todos. O Conselho Municipal dispensou o trabalho do zelador da fonte de imediato. 
Nas semanas seguintes, nada de novo. Mas no outono, as árvores começaram a perder as folhas. 
Pequenos galhos caíam nas piscinas formadas pelas nascentes. 
Certa tarde, alguém notou uma coloração meio amarelada na fonte. Dois dias depois, a água estava escura. 
Mais uma semana e uma película de lodo cobria toda a superfície ao longo das margens. 
O mau cheiro começou a ser exalado. Os cisnes emigraram para outras bandas. As rodas d´água começaram a girar lentamente, depois pararam. 
Os turistas abandonaram o local. A enfermidade chegou ao povoado. 
O Conselho Municipal tornou a . reunir-se, em sessão extraordinária e reconheceu o erro grosseiro cometido. 
Imediatamente, tratou de novamente contratar o zelador da fonte. 
Algumas semanas depois, as águas do autêntico rio da vida começaram a clarear. As rodas d´água voltaram a funcionar. 
Voltaram os cisnes e a vida foi retomando seu curso. 
* * *
Assim como o Conselho da pequena cidade, somos muitos de nós que não consideramos determinados servidores.
Aqueles que se desdobram todos os dias para que o pão chegue à nossa mesa, o mercado tenha as prateleiras abarrotadas; os corredores do hospital e da escola se mantenham limpos.
Há quem limpe as ruas, recolha o lixo, dirija o ônibus, abra os portões da empresa.
Servidores anónimos. Quase sempre passamos por eles sem vê-los. 
Mas, sem o seu trabalho, o nosso não poderia ser realizado ou a vida seria inviável.
O mundo é uma gigantesca empresa, onde cada um tem uma tarefa específica, mas indispensável. 
Se alguém não executar o seu papel, o todo perecerá.
Dependemos uns dos outros. Para viver, para trabalhar, para ser felizes!
Pensemos nisso!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A VERDADE DOS SENTIDOS

Havia um mundo onde todos os habitantes só conheciam uma maneira de se expressar, dizendo aquilo que lhes era facultado pelos seus sentidos físicos.
Pois se alguém era desagradável para a vista logo lhes diziam que eram feios. De um modo enérgico as pessoas expressavam com veracidade tudo aquilo que apreciavam.
Como todos se expressavam do mesmo modo crú e subjectivo ninguém se sentia discriminado em qualquer apreciação dos seus pares.
Os lugares e nomes das coisas eram tão directos que pelo nome se poderia logo aperceber do que se estava a falar. O hospital era o lugar da dor, do sofrimento e da cura. A paragem do autocarro era chamada de lugar desconfortável de espera de transporte. E pelos exemplo se poderia aquilatar do tipo de títulos que se dava às coisas.

Certo dia um homem visitava a sua mãe que se encontrava no “Lugar onde se despejam os familiares velhos” e foi-lhe dito pelo médico que a sua mãe não passaria além dessa noite. Já estava muito debilitada fisicamente, tinha tido dois AVC em curto espaço de tempo, e, dada a extrema fragilidade do seu coração não lhe seria possível ultrapassar mais do que um dia.
O homem ficou tão assoberbado com tal situação que sentiu algo dentro de si que lhe apontava para uma direcção diferente daquilo que os seu sentidos lhe indicavam. 
Na viajem para sua casa, algo lhe fazia questionar a certeza daquilo que se lhe apontava como realidade que os seus sentidos mostravam, faltava algo que os seu sentidos não lhe estavam a mostrar e que no seu interior alguma coisa lhe dizia que era um pouco diferente.
E assim foi passando o seu dia, e chegando o final da tarde, de novo em visita à sua mãe, no ”Lugar onde se despejam os familiares velhos”, lhe afirmava sua mãe:
- Filho. Eis-me chegada o final desta minha existência. Foram muitos anos de vida, mas sinto a tristeza apoderar-se dentro de mim.
- Mas então porquê? Minha mãe. questionava o filho.
E chorando copiosamente a mãe lhe retorquía: - É que morrendo se acaba tudo. É o vazio, o fim, a não existência.
Aquela afirmação tão convicta da sua progenitora o fez estremecer no seu interior, e ao contrario do esperado, e contra todas as evidencias proporcionadas pelos sentidos, sentiu a sua mente a modificar-se e a experimentar um outro tipo de informação que até ali desconhecia.
Desta forma foi respondendo à sua mãe:
- Mãezinha, escute-me com atenção. Quando a morte nos atinge não é o vazio. Antes pelo contrário, é o tudo, a vivência total da nossa mente. Como haverei de lhe explicar para melhor entender? A morte ao contrario do que nos quer parecer não é o fechar de uma porta, mas sim o abrir dessa mesma porta.
- Mas, como é isso possível, se nós não a conseguimos ver? questionava a mãe deveras intrigada.
- Pois é que ao contrario do que os nossos sentidos indicam, há duas coisas que não residem no  nosso corpo e que são a nossa essência mais pura. Aventava o filho com toda a sua convicção e certeza.
- E que coisas são essas que desconhecemos? questionava a senhora no seu maior espanto.
- Uma é a nossa consciência e a outra é nossa mente, e isso faz com que ao passar a porta sejamos dirigidos, como se de um ponto de atracção se tratasse, para o lugar que melhor represente os nossos pensamentos e as nossas acções durante este período em que a porta está fechada. Deste modo se as nossas obras e pensamentos forem predominantemente bons seremos atraídos para a posição onde se encontrem aqueles que comunguem das mesmas obras pensamentos e sentimentos, pelo contrario se tivermos tido bastantes obras, pensamentos e sentimentos maus, se tivermos prejudicado intencionalmente terceiros, vermos-nos deslocados para regiões desagradáveis nas quais vamos sentir todo o mal anteriormente feito.

A senhora não cabia de si com tamanha afirmação convicta de seu filho. Começava a sentir no seu interior um calor de esperança indescritível e questionou-o mais uma vez:
- Mas, filho meu, de onde te vem tamanha certeza daquilo que afirmas que contraria tudo aquilo que consigo me aperceber?
- De onde vem? Não sei, minha mãe. Mas no meu intimo tenho essa certeza, da mesma maneira que ouço a voz da consciência a dizer-me aquilo que está bem e aquilo que está mal, antevejo para lá da porta aberta tudo aquilo que nos espera.

A senhora sorriu, a sua face iluminou-se de alegria, ficou imóvel e assim partiu desta vida, ultrapassando a porta que todos julgavam que se fechava .